Desde Outubro de 2017 que se encontra em vigor a Lei nº 73/2017, referente à prevenção de assédio nos locais de trabalho.
Essencialmente esta alteração ao Código do Trabalho veio obrigar os empregadores a criar e seguir um Código de Conduta nesta matéria. Tornou-se ainda obrigatória a instauração de processos disciplinares sempre que tenha conhecimento de alegada situação de assédio.
Com as denúncias que surgiram em Hollywood, as situações de assédio no local de trabalho estiveram na ordem do dia. Mas importa que, quer empregadores quer os trabalhadores percebam que o assédio é um conceito bem mais amplo. Vejamos o que diz o Código do Trabalho: “comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”. A CITE (Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego) define este conceito como: “um comportamento indesejado (gesto, palavra, atitude, etc.) praticado com algum grau de reiteração e tendo como objetivo ou o efeito de afetar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”, ou seja, introduz aqui o tema da continuidade do comportamento. Estas definições são muito amplas e portanto deixam muita margem para interpretação.
Parece estranho que tenha de existir Legislação expressa sobre este tema, especialmente no que diz respeito aos locais de trabalho – que deveriam ser espaços isentos, sérios, objetivos e idóneos. Mas a realidade tem demonstrado que, sendo os locais de trabalho constituídos por pessoas, acabam por ser o reflexo da sociedade e das personalidades que os integram.
Parece óbvio que qualquer situação desviante, qualquer comportamento desadequado tem de ser reportado e corrigido. Parece! Mas para muitas pessoas e em muitas organizações, não é. O Institute of Business Ethics conduziu o ano passado um estudo referente a comportamentos não éticos nos locais de trabalho, estudo esse realizado em 7 países: Portugal, Espanha, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Suíça e Reino Unido, tendo concluído que metade dos portugueses não denúncia más condutas. Por comparação aos outros países no estudo, Portugal é o país onde menos se reportam essas situações. Os colaboradores abrangidos relataram não acreditar que ao reportar essas situações, as mesmas não seriam corrigidas, outros referiram que as situações abusivas não eram da sua responsabilidade, ou ainda que o facto de denunciarem as situações poderiam comprometer o seu próprio posto de trabalho.
Faz assim mais sentido que o Código do Trabalho tenha sido alterado para contemplar medidas mais objetivas para o combate às práticas de assédio. Contudo, se analisarmos rigorosamente as alterações que foram introduzidas, concluímos que as mesmas são insuficientes, quer do ponto da proteção aos colaboradores, quer do ponto de vista do empregador. Vejamos:
Mais do que instigar denúncias – é importante que as organizações percebam que o reporte de más condutas não é feito no que diz respeito ao assédio, mas também no que diz respeito a outras práticas condenáveis, como por exemplo: desrespeito de regras da empresa, registos incorretos de tempos de trabalho e horas-extra, comportamentos desadequados face a clientes, alteração de registos de produção ou registos de quebras, roubos, etc – muitos deste comportamentos são identificados ou presenciados por colegas e mesmo por chefias, sem que exista reporte e sem que se retirem consequências dos mesmos. Não quero com isto dizer que o tema do assédio não é relevante, pelo contrário – mas as organizações têm de promover uma cultura global de transparência e honestidade, que premeie as boas práticas, condenando os comportamentos desviantes, sejam eles quais forem.
Marília Santo
Project Manager